Novo ano, vida nova, novo hospital, desafios novos.
Os primeiros passos foram dados com um misto de curiosidade
e medo. Descoberta de um novo ambiente, adaptação a um método de trabalho
diferente (baseado no método de Weed) e o peso de uma nova responsabilidade.
Começava uma carreira naquele que eu considerava um dos maiores centros de
Medicina no país. Não podia deixar mostrar as minhas fraquezas logo no início,
não podia deixar defraudadas as expectativas depositadas pelos outros em mim.
O início do internato de especialidade, pelo concurso geral,
faz-se no primeiro dia útil de Janeiro. No hemisfério norte, isto coincide com
pleno Inverno, altura em que os hospitais estão cheios de doentes: os doentes
com patologias crónicas frequentemente têm agudizações ou complicações
infecciosas nesta altura, a gripe atinge os grupos mais vulneráveis, os mais
idosos estão sujeitos às maldades do clima. Não é à toa que muitas unidades têm
de aumentar a capacidade no Inverno, para conseguir dar resposta a esta maior
afluência de pessoas doentes.
O começo não foi vitorioso, pelo contrário. As enfermarias
cheias de doentes complicados, com várias comorbilidades, fármacos e aparelhos
com os quais eu ainda não estava habituado a lidar, tornaram os primeiros dias
uma luta constante para tentar prestar o melhor serviço possível àquelas
pessoas que depositavam confiança em mim. Claro que a responsabilidade não
recai sobre o interno, mas sobre o especialista responsável, porém é inevitável
sentir que aquela vida está nas nossas mãos. O que seria eu se pensasse que
aqueles doentes não dependiam de mim?
A estas dificuldades e idiossincrasias pessoais, aliaram-se
outras de índole organizativa da unidade hospitalar, o que se somou numa
angústia e sensação de incapacidade.
Estes sentimentos contraditórios de falibilidade e esperança
foram decalcados por uma conjuntura infeliz: às camas que tinha a meu cargo
directo, acabaram por ser atribuídos doentes já muito debilitados e alguns em
circunstâncias terminais, o que se cifrou em dez óbitos no primeiro mês de
trabalho. Eu que nunca tinha passado uma Certidão de Óbito, rapidamente fiquei
profissional.
Uma taxa de mortalidade exagerada, desproporcionada em
relação à dos restantes colegas e não condizente com a realidade do Serviço. Os
outros comentavam com compaixão que eu tinha muito azar, que mais um doente desgraçado
me tinha sido atribuído, que parecia que eu atraía a morte. Eu sorria com eles,
mas por dentro, muito amarelamente.
No curso de Medicina aprendemos sobre o luto, sobre os
sentimentos pelos quais os familiares passam quando perdem um ente querido,
quais as formas e técnicas de comunicação para dar más notícias, como ser
assertivo sem ser demasiado frio mas também sem ser condescendente. O que
ninguém nos prepara é para os nossos sentimentos nesses mesmos momentos…
Olhando para trás e relembrando esses primeiros meses de
trabalho no Internato de Especialidade, não tenho arrependimentos, sinto que
fiz o que esteve ao meu alcance, e procurei sempre encarar com dignidade os
momentos finais dos doentes. Mas ao mesmo tempo, não consigo deixar de lembrar “que
grandes angústias”…
1 comentário:
olá, sou estudante de medicina do primeiro ano e gostava de saber se a nota do curso vai ser necessária para escolher a especialidade, ou é apenas o exame final?
obrigado
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